STJ reconhece pensão ‘vitalícia” e partilha de créditos previdenciários para ex-esposa dedicada ao lar por 30 anos

Decisão do STJ assegura pensão de 30% do salário-mínimo a mulher que abandonou a carreira para cuidar da família e confirma partilha de aposentadoria do ex-marido.

Publicado: 06/08/2025

Foto: Goodboy Picture Company / Getty Images



O Superior Tribunal de Justiça (STJ) consolidou um entendimento relevante sobre a proteção econômica de mulheres que deixam suas atividades profissionais para dedicar-se integralmente ao lar e à família. Em decisão unânime da Terceira Turma, no Recurso Especial nº 2.138.877/MG, relatado pela Ministra Nancy Andrighi, a Corte fixou parâmetros definitivos para a concessão de alimentos entre ex-cônjuges e para a partilha de créditos previdenciários obtidos durante a união, quando comprovada contribuição indireta por meio do trabalho doméstico não remunerado.

A relatora aplicou expressamente o Protocolo para Julgamento com Perspectiva de Gênero do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), enfatizando que “a ideia preconceituosa e equivocada acerca da divisão sexual do trabalho, na qual homens são sempre os provedores e as mulheres cuidadoras, pode acarretar distorções indesejáveis”. A decisão reconheceu que o trabalho doméstico invisível tem impacto patrimonial, sendo forma indireta de colaboração para o crescimento profissional e financeiro do cônjuge ativo no mercado.

Três décadas de dedicação e vulnerabilidade pós-divórcio

O casal se casou em 1988 sob o regime da comunhão universal de bens e permaneceu unido por cerca de 29 anos, até a separação de fato em 2017. Ao longo desse período, a mulher reduziu gradualmente suas atividades profissionais até abandoná-las por completo, assumindo exclusivamente a administração do lar e o cuidado com a família. Conforme registrado no processo, “nunca exerceu atividade laborativa, pois durante todo o relacionamento, que perdurou por mais de 30 anos, dedicou-se às lides domésticas”.

Enquanto a esposa permanecia fora do mercado de trabalho, o marido avançava na carreira, conquistando inclusive aposentadoria especial com valores retroativos recebidos durante a constância da união. Com a separação, a ex-esposa passou a depender financeiramente dos filhos e de benefício assistencial do programa Bolsa Família, demonstrando vulnerabilidade econômica extrema.

Questão processual: alimentos e partilha de créditos

O Tribunal de Justiça de Minas Gerais havia rejeitado tanto o pedido de alimentos quanto a inclusão de créditos previdenciários na partilha. Argumentou que “não existe nos autos pedido formulado, em tempo hábil, para a partilha dos referidos créditos acumulados” e que a mulher “sobreviveu por cerca de cinco anos sem o auxílio financeiro do ex-marido”, indicando suposta capacidade de autossustento.

O STJ reformou esse entendimento ao analisar duas questões centrais:

1. A possibilidade de incluir, na partilha, créditos previdenciários obtidos durante a união;

2. O direito da ex-esposa a alimentos diante de sua condição de vulnerabilidade.

Segundo a Corte, enquanto não ocorre a partilha, o patrimônio do casal forma uma “universalidade de direito”, permitindo que pedidos genéricos de partilha abranjam bens ou créditos supervenientes. A decisão também reafirmou jurisprudência que equipara aposentadorias e créditos previdenciários a verbas salariais e trabalhistas atrasadas, como FGTS, para fins de comunicabilidade patrimonial.

A relatora ressaltou que ignorar tais créditos criaria “uma injustificável distorção em que um dos cônjuges poderia possuir inúmeros bens reservados frutos de seu trabalho e o outro não poderia tê-los porque reverteu, em prol da família, os frutos de seu trabalho”.

Alimentos: regra temporária e exceção vitalícia

O STJ reafirmou o princípio de que alimentos entre ex-cônjuges, em regra, devem ter prazo determinado, permitindo tempo para reorganização financeira e retorno ao mercado de trabalho.

Contudo, abriu exceção ao reconhecer que a situação da ex-esposa se enquadrava na hipótese de alimentos por prazo indeterminado, diante de três elementos centrais:

– Idade avançada, ainda que não fosse idosa;

– Afastamento do mercado há mais de 15 anos, resultando em qualificação defasada;

– Tratamento de saúde por quadro de depressão, limitando a capacidade laboral.

A pensão foi fixada em 30% do salário-mínimo, com efeitos retroativos à data da separação, reconhecendo que a vulnerabilidade econômica começou imediatamente após o fim da união. O fato de a ex-esposa ter sobrevivido com ajuda de terceiros “não desconsidera que abdicou de sua vida profissional para dedicar-se à vida doméstica, em benefício também do marido”.

Repercussão e alinhamento com precedentes

A decisão está alinhada a precedentes como o REsp 1.651.292/RS, que equipara benefícios previdenciários a verbas trabalhistas na partilha, e aos recentes AgInt no REsp 2.111.631/SP e AgInt no AREsp 2.449.075/RJ, que reafirmam a análise conjunta de idade, capacidade de trabalho e tempo de afastamento ao fixar alimentos entre ex-cônjuges.

Além de garantir proteção à ex-esposa, o julgamento reforça a valorização do trabalho doméstico não remunerado e a aplicação efetiva de uma perspectiva de gênero na interpretação do direito de família, evitando que mulheres dedicadas ao lar fiquem desamparadas após a dissolução do casamento.

Com Informações de Estratégia – Carreira Jurídica

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