Uma cirurgia de redesignação sexual (CRS) deverá ser realizada pela primeira vez na Paraíba, esta semana. O procedimento está previsto para ocorrer em um hospital particular de João Pessoa e terá como paciente uma jovem transexual paraibana, maior de idade. Toda a cirurgia será realizada por profissionais naturais da Paraíba, sendo considerada um marco.
a cirurgia de redesignação sexual consistirá na realização da mudança da genitália. Até então, na Paraíba foram realizadas mastectomias masculinizadoras (retirada de tecido mamário em homens trans), mamoplastias de aumento (colocação de implante de silicone em mulheres trans) e faringoplastias (cirurgia para diminuir o ‘Pomo de Adão’ em mulheres trans).
O médico João Pedro Lacerda – cirurgião que atuará na redesignação sexual da jovem – explicou que tal tipo de procedimento não havia sido realizado ainda no estado devido a falta de equipe: “Ela não havia sido realizada antes por falta de equipe capacitada. Mas o cirurgião capacitado tem autonomia para realizar o procedimento”, detalhou.
Como será a cirurgia?
O médico João Pedro Lacerda explicou como será o processo de cirurgia na mulher trans. Segundo o médico, haverá a retirada dos testículos e com isso ocorrerá uma remodelagem do tecido para formação da chamada ‘neovagina’, uma vagina construída cirurgicamente.
“Os testículos são retirados, o resto do tecido é remodelado para formar a neovagina. Fazemos uma ‘redução’ da uretra, a glande forma o clítoris e o tecido da região escrotal é utilizado para formar os pequenos e grandes lábios”, explicou à reportagem do ClickPB. Conforme o cirurgião, o procedimento dura em torno de quatro a seis horas.
A equipe da cirurgia de redesignação sexual será composta da seguinte forma:
2 cirurgiões plásticos: o médico João Pedro Lacerda e sua irmã, a médica e cirurgião plástica Olga Mariz;
1 cirurgião geral;
1 anestesista;
2 instrumentadoras cirúrgicas;
Médica Olga Mariz. (foto: divulgação)
Médica Olga Mariz. (foto: divulgação)
Médico João Pedro Lacerda. (foto: divulgação)
Médica João Pedro Lacerda. (foto: divulgação)
Médica Olga Mariz. (foto: divulgação)
Médica Olga Mariz. (foto: divulgação)
Médico João Pedro Lacerda. (foto: divulgação)
Médica João Pedro Lacerda. (foto: divulgação)
Procedimento cirúrgico de redesignação sexual é garantido por lei
O procedimento inédito na Paraíba será realizado com custeio por parte do plano de saúde, após a jovem transexual acionar a justiça e ganhar o processo. A cirurgia custa em torno de R$ 100 mil.
O procedimento de redesignação sexual, por lei, deve ser realizado pelo Sistema Único de Saúde (SUS) desde o ano de 2010. Em 2023, a Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ), por unanimidade, decidiu que as operadoras de planos de saúde têm a obrigação de custear as cirurgias de transgenitalização e de plástica mamária com implantação de próteses para mulheres transexuais.
O colegiado levou em conta que tais procedimentos de redesignação sexual são reconhecidos pelo Conselho Federal de Medicina (CFM) como procedimentos de afirmação de gênero do masculino para o feminino e foram também incorporados ao Sistema Único de Saúde (SUS), com indicação para o processo transexualizador.
Sendo assim, para o colegiado do STJ tanto a cirurgia de transgenitalização quanto a implantação de próteses mamárias não podem ser consideradas procedimentos experimentais ou estéticos. A decisão sobre a cirurgia de redesignação de sexo correu após uma mulher transexual ajuizar uma ação para obrigar a operadora de plano de saúde a pagar pelas cirurgias
Dificuldades da população trans e aumento nas cirurgias de redesignação sexual
O médico João Pedro Lacerda disse à reportagem que a população trans “encontra grande dificuldade de realizar o procedimento”, seja “por falta de adequação nas normas ou por falta de equipe capacitada”.
“A cirurgia de redesignação sexual é garantida por lei para pessoas trans. Deveria ser ofertada no SUS e também pelas operadoras de saúde”, pontuou em entrevista ao ClickPB. O cirurgião revelou que com a realização da primeira redesignação no estado,a expectativa é que mais ações do tipo possam ocorrer.
“Há expectativa de realizar mais cirurgias como essa sim. Temos os profissionais capacitados e estrutura hospitalar. Então temos tudo para transformar a Paraíba em novo polo para realização da cirurgia. Que são bem escassos no Brasil”, falou.
No Nordeste, segundo o médico, a cirurgia de redesignação sexual é realizada apenas no Recife.
Preconceitos
À reportagem, o profissional relatou que ele e sua irmã planejam montar uma equipe mais completa para realização dos procedimentos. Conforme o médico, um fator que chama atenção é que muitos médicos e profissionais de saúde não querem atuar com o público transexual.
“Muitos profissionais não querem trabalhar com esse público. Então não é fácil montar uma equipe, mas estamos buscando melhorar mais ainda nosso serviço e procurando pessoas dispostas a somar”, detalhou.
“Tenho certeza que em grande parte é por preconceito. Já vivenciei no serviço público chefes de serviço orientado a encaminhar as pacientes para outros lugares por que não queriam operar a população trans por questões religiosas. Já ouvi diversas falas como ‘é uma população difícil, são instáveis, difíceis de trabalhar’. Como se a transexualidade fosse algum distúrbio mental”, revelou o profissional.
Para ele, a falta de acolhimento para a população trans é muito em torno do preconceito, “seja um preconceito mais explícito ou disfarçado de religiosidade, ou inabilidade para lidar com questões mentais”.
“Vale salientar que a vivência que temos com as/os pacientes trans é o contrário do que é dito. São pessoas super tranquilas de lidar, respeitosas, com expectativas em relação ao procedimento compatíveis com a realidade. E, particularmente, a cirurgia traz uma sensação de realização pessoal. Há pouco tempo coloquei silicone em uma mulher trans que acordou chorando quando viu os seios, e agradecendo. Disse que era o sonho da vida dela. Então é uma honra poder ser a ponte entre o sonho da pessoa e a realidade”, explanou Lacerda.
Médico explica que necessidade ou não de cirurgia de redesignação sexual é definida pela paciente
O médico enfatizou, na entrevista ao ClickPB, que “não há necessidade de se realizar nenhuma cirurgia para ser uma pessoa trans”.
“A cirurgia plástica vem como uma forma de tratar a disforia das pacientes. Disforia é o sofrimento causado por características físicas que não se adequam a seu gênero. Mas as disforias são muito individuais”, explanou.
Segundo ele, “algumas pacientes apenas com terapia hormonal e mudanças não cirúrgicas se sentem bem com seu corpo, sem necessidade de cirurgia”, uma vez que a cirurgia de mudança de genitália não é o que faz, ou não, uma mulher trans.
“Várias mulheres trans não sentem necessidade de realizar o procedimento. Tem mais disforia com as mamas, por exemplo. Então cada cirurgia pode ser a mais importante. Depende da disforia que a paciente tem”, falou o médico.
Expectativa para a cirurgia de redesignação sexual
Para o profissional, a expectativa é que a cirurgia seja um sucesso, nas palavras de Lacerda, “que seja a primeira de muitas” e a organização do mesmo serviço por meio do Sistema Único de Saúde (SUS) também é importante.
“Que a partir dela nós consigamos organizar um serviço no SUS para oferecer as cirurgias para mais pacientes. E que a população saiba que há, sim, profissionais com os quais elas possam contar. Que possamos só crescer nesse sentido. A única coisa que eles/elas querem é o mínimo. Respeito. Serem tratados(as) pelo nome correto, pronome correto e serem acolhidas pelas queixas que elas trazem”, pontuou.
Paraíba tem mais de 1,3 mil pessoas trans com identidade feminina cadastradas
Segundo um levantamento dos Centros Estaduais de Referência LGBTQIAPN+, geridos pela Secretaria de Estado das Mulheres e da Diversidade Humana (SEMDH) e situados em João Pessoa e Campina Grande, contabilizaram 1.380 pessoas trans com identidade de gênero feminina cadastradas, entre mulheres trans e travestis.
Para a secretaria, que tem a frente a jornalista Lídia Moura, a primeira cirurgia de redesignação sexual feita na Paraíba “representa um avanço relevante na ampliação do cuidado especializado à população trans no estado, especialmente no que se refere à garantia de direitos ligados à saúde integral e à autonomia sobre o próprio corpo”.
Em nota encaminhada nesta quarta-feira (26), a SEMDH informou que com a Secretaria Estadual de Saúde (SES) está realizando um “estudo técnico e institucional a possibilidade de futura implementação do procedimento no âmbito da rede pública, como parte do fortalecimento do processo transexualizador no estado”.
Conforme a SEMDH, no que se refere à organização e regulação do processo transexualizador, é importante destacar que o critério fundamental não é o campo de nome social, compreendido como elemento de tratativa e respeito institucional, mas sim a identidade de gênero autodeclarada da pessoa usuária.
“É a partir dessa identidade que se define o acesso aos diferentes procedimentos disponíveis, sendo que mulheres trans e travestis se enquadram em determinadas categorias de cuidado, enquanto homens trans acessam outras modalidades específicas, conforme protocolos técnicos e diretrizes de saúde”, disse a secretaria.
Fonte: ClickPB









