Materiais encontrados na residência do general da reserva Mário Fernandes indicam que havia um conjunto de estratégias para atrapalhar as investigações da tentativa de golpe de Estado. Uma delas era voltada para a CPMI (Comissão Parlamentar Mista de Inquérito do 8 de Janeiro, para que a oposição imputasse ao governo Lula a responsabilidade pelos atos golpistas de 2023. A informação está no relatório da PF (Polícia Federal), cujo sigilo foi retirado nesta terça-feira (26) pelo ministro Alexandre de Moraes, do STF (Supremo Tribunal Federal).
Mário Fernandes era o número dois da Secretaria-Geral da Presidência no governo de Jair Bolsonaro. O documento com as estratégias para a CPMI foi criado em 16/05/2023, quando Fernandes ocupava cargo de natureza especial no gabinete do deputado federal General Pazuello. No documento, estão “ideias-forças” para orientar a oposição ao governo Lula. A principal delas era afastar a responsabilidade do grupo investigado pela PF e conseguir o impeachment do atual presidente da República.
Outro objetivo era desgastar o STF e o ministro Alexandre de Moraes, para avançar em pedidos de impeachment de ministros da corte suprema, denominados “ditadura da toga”, e anular as prisões dos golpistas dos atos de 8 de janeiro, chamados de “patriotas”.
“Mostrar o abuso de poder do STF, principalmente do Alexandre de Moraes, na prisão de cerca de 1.500 patriotas, que só tem um comparativo na história da humanidade, que são as prisões dos judeus pelos nazistas na Segunda Guerra Mundial”, diz um dos trechos do documento.
Também se pretendia intimidar e coagir a Polícia Federal, ao afirmar que o órgão policial cometeu abusos e prendeu ilegalmente participantes do 8 de janeiro.
Além das orientações sobre a CPMI, foram encontradas com Mário Fernandes anotações para criar uma narrativa contra o então ministro da Justiça, Flávio Dino. O objetivo era responsabilizá-lo por omissão na tentativa de golpe de Estado no 8 de Janeiro em Brasília.
‘Dentro das quatro linhas’
O ex-presidente Jair Bolsonaro negou as informações do relatório da PF. Segundo ele, a palavra golpe “nunca esteve no dicionário”. “Vamos tirar da cabeça essa história de golpe, ninguém vai dar golpe com general da reserva e mais meia dúzia de oficiais. É um absurdo o que estão falando. Da minha parte, nunca houve discussão de golpe”, afirmou.
Bolsonaro acrescentou ainda que se alguém fosse discutir golpe com ele, o ex-chefe do executivo questionaria como ficaria o dia seguinte. “Eu falaria ‘tudo bem, e o after day? Como fica o dia seguinte? Como fica o mundo perante a nós? Todas as medidas possíveis dentro das quatro linhas, dentro da Constituição, estudei”, declarou.
“Golpe de Estado tem que ter a participação de todas as Forças Armadas, senão não é golpe de Estado. Ninguém dá golpe de Estado em um domingo, em Brasília, com pessoas que estavam aí com bíblias debaixo do braço e bandeira do Brasil na mão, nem usando estilingue e bolinha de gude e muito menos batom. Não tinha um comandante”, finalizou.
O relatório levou ao indiciamento de Bolsonaro e mais 36 pessoas. A PF indiciou os investigados pelos crimes de abolição violenta do Estado Democrático de Direito, golpe de Estado e organização criminosa.
Veja a lista completa dos indiciados:
- Jair Messias Bolsonaro, ex-presidente da República;
- Mauro Cesar Barbosa Cid, ex-ajudante de ordens de Bolsonaro;
- Anderson Gustavo Torres, ex-ministro da Justiça e Segurança Pública;
- Augusto Heleno Ribeiro Pereira, ex-ministro do Gabinete de Segurança Institucional;
- Paulo Sérgio Nogueira de Oliveira, ex-ministro da Defesa;
- Walter Souza Braga Netto, ex-ministro da Defesa e candidato a vice de Bolsonaro em 2022;
- Valdemar Costa Neto, presidente do PL;
- Alexandre Rodrigues Ramagem, deputado federal e ex-diretor-geral da Abin (Agência Brasileira de Investigação);
- Filipe Garcia Martins, ex-assessor especial para assuntos internacionais de Bolsonaro;
- Ailton Gonçalves Moraes Barros, ex-major do Exército;
- Alexandre Castilho Bitencourt da Silva, coronel do Exército;
- Almir Garnier Santos, ex-comandante da Marinha;
- Amauri Feres Saad, advogado;
- Anderson Lima de Moura, coronel do Exército;
- Angelo Martins Denicoli, major da reserva do Exército;
- Bernardo Romao Correa Netto, coronel do Exército;
- Carlos Cesar Moretzsohn Rocha, engenheiro;
- Carlos Giovani Delevati Pasini, coronel do Exército;
- Cleverson Ney Magalhães, coronel do Exército;
- Estevam Cals Theophilo Gaspar de Oliveira, general do Exército;
- Fabrício Moreira de Basto;
- Fernando Cerimedo, consultor político;
- Giancarlo Gomes Rodrigues, subtenente do Exército;
- Guilherme Marques de Almeida, coronel do Exército;
- Hélio Ferreira Lima, tenente-coronel do Exército;
- José Eduardo de Oliveira e Silva, padre;
- Laercio Vergilio, general da reserva do Exército;
- Marcelo Bormevet, policial federal;
- Marcelo Costa Câmara, coronel do Exército;
- Mario Fernandes, general da reserva do Exército;
- Nilton Diniz Rodrigues, general do Exército;
- Paulo Renato de Oliveira Figueiredo Filho, economista e blogueiro;
- Rafael Martins de Oliveira, tenente-coronel do Exército;
- Ronald Ferreira de Araujo Junior, tenente-coronel do Exército;
- Sergio Ricardo Cavaliere de Medeiros, tenente-coronel do Exército;
- Tércio Arnaud Tomaz, ex-assessor de Bolsonaro; e
- Wladimir Matos Soares, policial federal.
Por R7